Como cristão e líder religioso
católico, desejo tecer uma breve análise sobre a onda perigosa pela qual passa
o cristianismo no momento atual. Onda essa caracterizada pelo o fenômeno da praga
da alienação religiosa, o que vem levando milhares de cristãos a caminhar na
direção contrária ao verdadeiro projeto de Jesus: O Reino de Deus no aqui e
agora da história, com sua plenitude na dimensão escatológica, ou seja, na
eternidade.
Não hesito em afirmar peremptoriamente
que, infelizmente, estamos vivendo uma verdadeira cultura de descaracterização
do verdadeiro cristianismo. O Jesus histórico, que abraçou a causa dos pobres
com força e determinação, e por causa dessa sua posição profética fora
assassinado, não existe. O que existe é um Jesus a-histórico, para além das nuvens,
que não tem nenhum compromisso com o ser humano no hoje da história. O seu
reino de justiça e vida para todos não é anunciado. O que vale é falar de um
Jesus Rei, Todo Poderoso, Majestoso, Milagreiro, sentado num trono de ouro, que
gosta de aplausos e louvores.
São muitos líderes
religiosos cristãos pregando a torto e a direita todo tipo de alienação
religiosa, com isso, repito com ênfase, deturpando o verdadeiro sentido do
Evangelho do Jesus libertador, aquele que deu a vida pelo povo sofrido, oprimido,
excluído, consequentemente, tratado com desdém, julgado e condenado pela elite
política e religiosa do seu tempo:
esse homem é um agitador, ele anda agitando o povo. Matemo-LO”, disse Herodes.
Tenho conversado com muitos professores,
estudantes, donas de casa, agricultores, jovens de movimentos sociais, operários,
profissionais liberais, padres e leigos, comprometidos com uma Igreja
verdadeiramente profética e libertadora. Eis o que tenho ouvido:
-Padre,
eu ligo nos canais católicos e não vejo ninguém defendendo os pobres que lutam
por justiça social, moradia, emprego, dignidade, vida.
-Seu
Padre, por que quase todos os pastores e padres da TV não falam em justiça
social? Eles têm medo?
-Por
que os católicos não cantam e divulgam as músicas do cantor Zé Vicente? Ora, são
músicas que falam da vida, do sofrimento e da luta do povo. Infelizmente, estão
dando valor as músicas alienantes de muitos padres e leigos.
-Para
muitos seminaristas, Padre Djacy, os padres referenciais na sua caminhada são
padres que não têm postura profética. São padres da TV, que possuem fama,
tratados como celebridades etc.
-O
que vejo é que há muita hipocrisia nas igrejas. Muita gente pregando sobre o
amor, mas não tem coragem de lutar em defesa dos irmãos. -A gente só ver
pastores falando em milagres, curas, dinheiro, prosperidade etc.
-Se
os pastores e padres da televisão curam, por que não vão não saem dos palcos
iluminados ou dos estúdios refrigerados, luxuosos, e vão curar os doentes que
estão nos hospitais? Por que não curam os doentes que estão sofrendo em tantos
hospitais? Por que só curam diante das câmaras de TV?
-No
tempo da seca, não vi um padre da TV falando sobre o sofrimento dos sertanejos.
Por que, hein?
-Padre
Djacy, quando há encontros regionais das Cebs, comunidades eclesiais de base,
os canais católicos de TV não transmitem, nada falam. Por quê?
-É
muita alienação religiosa. Só vemos louvores, orações e muita dança. É o dia
todo. E toma dança. Penso que certos movimentos católicos e evangélicos
tornaram-se úteis para terapia emocional.
-O
que percebo é que muitos católicos vivem na base do devocionismo. Um
devocionismo descompromissado com a vida, com o mundo. O pior é que temos
muitos líderes religiosos católicos que gostam desse tipo de religião. Uma
religião voltada somente para o alto.
-O
cristianismo de hoje parece mais consultório de psicologia. Nos auditórios da
TV, os programas religiosos só falam em problemas pessoais, envolvendo emoção, conflitos
etc. E toma choro, lágrimas, emoções. Parece que estamos presenciando a
religião do emocionalismo generalizado.
-Saudade
daquela Igreja comprometida com a libertação dos pobres. Quantas lembranças dos
profetas que anunciavam o evangelho do Cristo libertador. Faz-me recordar Dom
Hélder, Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Fragoso, Dom José Maria Pires, Dom Pedro
Casaldáliga, Dom Oscar Romero e tantos outros.
-Há
padres que passam o tempo todo falando somente no céu, nos santos, no sexo dos
anjos. Têm alguns que mandam a gente esquecer a terra e voltar para o céu do
outro lado. Isso não é alienação religiosa?
-Sei
não, agora inventaram a tal da teologia da prosperidade. O negócio agora é rezar e louvar para Deus dar muita riqueza,
muitos bens materiais.
-Com
essa tal de teologia da prosperidade, se você é rico, tem muitas coisas, é
porque você orou muito, fez a vontade de Deus, é um abençoado.
-Rezar
é importante, mas ficar só na reza, não adianta nada. Jesus não quer isso não.
-Sou
uma estudante universitária, e digo: não acredito no Deus de certos pregadores
evangélicos e católicos. O Deus desses religiosos é um Deus distante, insensível,
que não se importa com a fome, as injustiças que ferem a dignidade humana; um
Deus distante da história, sem compromisso de libertação com os pobres, os
excluídos etc. Nesse Deus distante, frio, fora da história, não acredito, não o
sigo.
-Padre
Djacy, por que muitos bispos, padres e leigos não valorizam a teologia da
libertação? Eles têm medo de se comprometer com a luta pela libertação dos pobres,
é?
-Padre
Djacy, me perdoe, mas alguns padres que conheço, também frades, só se preocupam
com o ritual, com as formalidades litúrgicas. Vivem somente de celebrar e celebrar.
Não estão nem aí com os problemas do povo, das comunidades. Será que eles não
estão na contramão de Jesus, que deu a vida pelo povo sofrido?
-Ninguém
fala mais nas Cebs, nos movimentos sociais. Agora só falam em Renovação Carismática,
em movimentos espiritualistas etc. Parece que o Deus desses movimentos só
existe no céu, pra cima das nuvens.
-Uma
coisa é certa, seu padre, esses movimentos espiritualistas formam consciência
alienante, reacionária. Aqui no Brasil, quem pertence a esses movimentos
tornam-se eleitores da extrema-direita. A elite adora esse tipo de
cristianismo.
-Há
alguns padres e pastores que usam a religião para ficar famosos, virarem
estrelas. Por conta disso, passam a ser adorados. O evangelho passa distante
desses religiosos.
-Tenho
saudades daquele tempo em que muitos padres, pastores, leigos, usavam a fé
cristã com arma em defesa dos pobres, dos excluídos, dos marginalizados, da
justiça social etc. Também eles lutavam sem medo em defesa da redemocratização
do país. Não tinham medo de combater a ditadura militar.
-Padre
Djacy, cadê os profetas de Jesus? A gente não vê mais cristãos profetas que
anunciam e denunciam. O que percebo é que muitos estão encastelados no seu
conforto e preocupados com unicamente com seu bem-estar. Vejo somente fé
intimista: Deus e eu, eu e Deus.
-Muitos
perdem a fé, não no Deus libertador, mas no Deus alienante, distante, frio,
insensível, que vive sentado no seu trono de ouro, ouvindo os cantares dos
anjos.
-Graças
a Deus que apareceu o Papa Francisco. Ele é um verdadeiro profeta de Deus. Um
defensor dos pobres, dos excluídos. Depois dele, a minha fé aumentou.
-No
tempo da ditadura militar, a gente via cristãos lutando em defesa da volta da
democracia. Eram padres, pastores, bispos, freiras, seminaristas, leitos. Eles não tinham medo de nada. Tudo em nome do
evangelho, da fé cristã libertadora.
-Penso
que o cristianismo está sendo descaracterizado na sua essência. A religião
cristã está sendo um verdadeiro anestésico. Está servindo para alienar as pessoas.
De um tempo pra cá, o povo cristão está ficando só na oração, nos aplausos e
louvor.
-Padre
Djacy, eu questiono o seguinte: onde está o profetismo da Igreja? Por que tanto
silêncio profético? Medo? Comodismo? O que há com a maioria dos pastores católicos
que não levantam sua voz em defesa dos pobres, dos excluídos, dos
marginalizados desta América Latina e do Caribe?
-O
que venho observando, padre Djacy, é que a religião cristã está tornando-se
sinônimo de mercado. Muitos só falam em dinheiro. Alguns usam o nome de Deus
para ganhar muito dinheiro e ficar rico.
-Nessas
eleições, a gente viu poucos cristãos tentando fazer trabalho de
conscientização politica, tentando libertar o povão da alienação política.
Foram poucos os líderes religiosos e leigos envolvidos nesse trabalho de
politização.
Uma fé alienante,
reacionária, só contribui com as estruturas sócio-política-econômicas iníquas,
desumanas, antiéticas, geradoras de tantas injustiças, exclusões e morte. E os
ricos, a elite, a burguesia, que se dizem muitas vezes cristãos, que adoram o
devocionismo inócuo e aplaudem a cultura do espiritualismo em moda, só tem a
agradecer.
Para
os que fazem da religião cristã instrumento de alienação, vale essas palavras
proféticas de Jesus, o libertador: “nem
todo o que me diz: Senhor, Senhor! Entrará no reino dos céus, mas aquele
que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus” (Mateus 7:21-23).
Afinal, em que consiste essa
vontade de Deus de Pai?
Fonte: Padre Djacy Brasileiro para BoaVenturaOnline
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